O colunista do Metrópoles Ricardo Noblat foi um dos profissionais da imprensa monitorados por uma estrutura clandestina da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mostra relatório da Polícia Federal (PF) cujo sigilo foi retirado nessa quarta-feira (19/6) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A conclusão foi inserida no âmbito da investigação sobre as ações da chamada Abin Paralela.
Segundo o documento, a Abin Paralela monitorou ilegalmente autoridades dos Três Poderes, jornalistas e servidores públicos entre fevereiro de 2019 e abril de 2021. No caso de Noblat, as consultas ocorreram em 23 de julho de 2020, quando o profissional escrevia para a Revista Veja, e duraram aproximadamente três horas. Segundo a PF, as buscas tiveram início por volta do meio-dia, na mesma manhã em que o jornalista publicou uma matéria com críticas ao então presidente Jair Bolsonaro e a militares de seu governo. Além de Noblat, a esposa dele, Rebeca Scatrut, também foi alvo das buscas, diz a PF.
O colunista do Metrópoles afirmou que desconhecia o monitoramento e comparou a situação com o período da ditadura militar. “Isso me lembra muito o tempo da ditadura. Embora tenha sido uma ação atribuída a um governo que atuava em um período democrático, na época do regime militar de 64 isso era algo muito comum”, afirmou.
Para Noblat, o episódio é um sinal de alerta. “Ver isso se repetir depois de 40 anos de democracia restabelecida no país serve de alerta para quem acha que nossas instituições estão sólidas, resistentes, imunes a retrocessos. Eu acredito que as instituições são fortes, mas também que a democracia, em todo o mundo, está ameaçada e enfraquecida.”
O jornalista apontou ainda que a prática de monitorar a imprensa é inaceitável. “Não me surpreende que isso tenha acontecido, porque a obsessão do Bolsonaro, desde que assumiu a Presidência, era dar um golpe. E o país correu, como se vê, um sério risco”, afirmou.
Noblat questionou também o motivo de vigiar jornalistas: “O mais curioso é: por que monitorar jornalistas, se o que escrevemos é público? Se o que apuramos é publicado e acessível a todos? Monitorar para quê? Para tentar se antecipar ao que vamos divulgar? É lamentável termos passado por esse período.”
Outros monitorados
Ao todo, a Abin Paralela realizou 60.734 consultas de geolocalização, atingindo cerca de 1,8 mil linhas telefônicas. Segundo a investigação, o esquema não seguia nenhum planejamento formal e tampouco tinha registros documentais, o que dificultou o rastreamento das ordens e da cadeia de comando. Veja nomes monitorados:
Poder Judiciário
- Alexandre de Moraes
- Dias Toffoli
- Luís Roberto Barroso
- Luiz Fux
Poder Legislativo
- Arthur Lira (PP-AL), deputado e então presidente da Câmara dos Deputados
- Rodrigo Maia (PSDB-RJ), ex-presidente da Câmara dos Deputados
- Kim Kataguiri (União-SP), deputado federal
- Joice Hasselmann (Podemos-SP), ex-deputada federal
- Alessandro Vieira (MDB-SE), senador
- Renan Calheiros (MDB-AL), senador
- Randolfe Rodrigues (PT-AP), senador
- Jean Wyllys, ex-deputado federal
- Gustavo Gayer (PL-GO), deputado federal
- João Campos de Araújo, ex-deputado federal
- Paulo Pimenta (PT-RS), deputado federal
Poder Executivo
- João Doria, ex-governador de São Paulo
- Wilson Witzel, ex-governador do Rio de Janeiro
- Cláudio Bomfim de Castro e Silva, então governador do Rio de Janeiro
- Orlando Silva, ex-ministro do Esporte
- Hugo Ferreira Netto Loss, servidor do Ibama
- Roberto Cabral Borges, servidor do Ibama
- Christiano José Paes Leme Botelho, auditor da Receita Federal
- Cleber Homen da Silva, auditor da Receita Federal
- José Pereira de Barros Neto, auditor da Receita Federal
Jornalistas
- Ricardo Noblat, colunista do Metrópoles
- Mônica Bergamo
- Vera Magalhães
- Reinaldo Azevedo
- Luiza Alves Bandeira
- Pedro Cesar Batista
- José Vitor de Castro Imafuku
Operação clandestina
As investigações revelaram que as operações da chamada “Abin Paralela” ocorreram de forma clandestina, sem registros documentais e fora de qualquer controle institucional. O sistema “First Mile” foi utilizado por agentes da Abin para rastrear a localização de alvos em tempo real.
A PF também identificou tentativas de ocultação de provas, com a exclusão dos registros eletrônicos (logs) de uso do sistema, dificultando a identificação de quem executou cada consulta.
Segundo os investigadores, o sistema foi usado para monitorar adversários políticos, servidores públicos e jornalistas de maneira ilegal e sem qualquer base legal.