Secretário de Defesa Agropecuária diz que caso de gripe aviária “não é uma falha” no sistema
No último dia 15 de maio, o Brasil confirmou o primeiro caso de gripe aviária em granjas comerciais. Dado o estopim, uma série de medidas foram acionadas, como o status de emergência zoosanitária em Montenegro (RS) e o aumento do rigor nas ações de biosseguridade das granjas de todo o país.
Pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), quem está à frente das ações é o secretário de Defesa Agropecuária (SDA), Carlos Goulart, que conversou com o Agro Estadão e destacou que o caso registrado no Brasil não se trata de uma falha no sistema brasileiro. Ele tratou sobre os próximos passos da notificação para a Organização Mundial da Saúde Animal (OMSA) e dos cuidados em áreas que têm mais vulnerabilidade em caso de novas ocorrências. Confira a entrevista.
Secretário, no caso da doença de Newcastle, em Anta Gorda (RS), no ano passado, houve uma queda do teto da granja na época, permitindo a entrada da doença. Na situação da gripe aviária, já há um indicativo do que causou a entrada do vírus na granja comercial?
A investigação sobre as causas prováveis do motivo do ingresso do vírus na granja, da gripe aviária, nós ainda não temos. Muitas vezes, você não chega a uma causa concreta, você chega a causas prováveis. Essa é uma investigação que nós fazemos conjuntamente entre o Mapa e o órgão estadual de defesa. Nós ainda não temos as causas prováveis de qual foi o item de biosseguridade que foi rompido para ter o ingresso do vírus na granja. Esse não é um objeto muito de foco da atuação da defesa. Por quê? É interessante saber o que aconteceu, mas do ponto de vista de curiosidade. Do ponto de vista de saúde animal, aconteceu. Como vocês viram no Newcastle, não foi um ponto de atenção reforçada da defesa, identificar e notificar para todo mundo. O que a gente fez no Newcastle que vai fazer de novo? Orientar que haja atenção a todos os pontos de biosseguridade, todos eles. Porque a importância é evitar que o vírus entre. Uma vez que ele entre, seja qual for o motivo, o dano já está feito.
Desde a confirmação do caso até o momento, já se passaram 15 dias. Apesar de ainda ser recente, o ministério já tem uma avaliação se houve falha no sistema de defesa?
Não se fala em falha nesse sistema, especialmente por conta da influenza aviária. Como é um vírus altamente contagioso, transmitido por aves silvestres, em aves migratórias, não tem como você atribuir falha a um processo de contaminação, porque ele foge da capacidade completa de controle do órgão federal e do órgão estadual. O que você faz são medidas mitigadoras de prevenção. Mas não se fala em falha nessa questão. Você faz as medidas para prevenir a entrada, porque não é possível ser risco zero. O risco zero não existe, e não é possível ficar imune permanentemente, porque é um vírus altamente contagioso. Então, essas características permitem que a gente trate esse caso como não é uma falha. Não se trata de falha, trata de você mitigar a ocorrência do evento.
Secretário, o Ministério já trabalhava com uma projeção de um caso para este período do ano devido ao fluxo das aves migratórias nesta época?
O Brasil se preparou contra a gripe aviária há mais de 15 anos. Quando ela começou, lá em 2005, 2006, foi quando, no Brasil, nós começamos a trabalhar os protocolos de prevenção e de biosseguridade. É exatamente essa antecipação de mais de 15 anos de atividade que permitiu que o Brasil ficasse tanto tempo sem o vírus. Não são só os dois últimos anos. Nós falamos desde quando começou a ter em granjas comerciais no mundo, que é em 2006. Só foi ter em aves silvestres no Brasil em 2023 e o recorde de defesa agropecuária global é nosso, de dois anos entre o primeiro caso em aves silvestres e o primeiro em granja comercial. Esse tempo de dois anos, essa fortaleza, foi porque nós nos preparamos muitos anos antes. É exatamente essa fortaleza que fez com que a gente ficasse tanto tempo sem, ainda que todo o sistema, toda a base científica sempre demonstrava que nós, um dia, teríamos o vírus, porque é impossível, cientificamente, ficar imune permanentemente. Então, não há ninguém que pudesse estimar quando o vírus ia entrar.
O Mapa tem mapeado algumas regiões ou algumas localidades que são mais vulneráveis para novos casos de gripe aviária?
Tem. Há regiões produtoras de aves e ovos que têm uma super concentração de produção, especialmente nas regiões produtoras de ovos. Tem núcleos produtores de ovos que eles têm uma condição diferenciada. Então, a região de Bastos (SP), no Espírito Santo e em Pernambuco há outros dois polos muito grandes, que, sim, eles têm um nível de risco para aquela atividade maior do que os outros estabelecimentos, que são mais espalhados geograficamente. Então, você tem uma diferenciação, porque o impacto da influenza aviária é mais forte na cadeia de ovos do que na cadeia de carne, porque o ciclo produtivo da cadeia de ovos é muito mais longo. Então, o primeiro ponto é que a influenza é mais impactante para a cadeia de ovos e tem alguns polos produtores de ovos que têm um risco maior de impacto por conta da geografia produtiva dessas regiões. Nós temos isso mapeado sim.
E tem alguma ação específica para esses polos? O nível de biosseguridade nesses polos é maior?
A biosseguridade é igual, porque ela já está no grau máximo de você fazer o controle. O que nós temos trabalhado com as associações de produtores, com a ABPA [Associação Brasileira de Proteína Animal] e com os produtores, é o que a gente consegue modular de ação pós-ocorrência nesses locais que têm alta concentração. Inclusive, nós fizemos um simulado na prática de como seria uma ocorrência em Bastos (SP). Este ano, antes da ocorrência [de gripe aviária], nós fizemos um simulado lá para testar quais seriam os impactos na região e como que a gente iria operacionalizar, para avaliar o que a gente pode personalizar para esse tipo de sistema concentrado de produção. É uma questão que nós estamos trabalhando, porque, apesar de nós já termos concluído o foco em Montenegro (RS), o vírus continua circulando em aves silvestres.
Os casos em aves silvestres também tomaram atenção no noticiário. Apesar de não ter impacto comercial, esses casos acendem um alerta dentro do sistema de proteção?
Sempre acenderam, desde o começo. E é por isso que é tão importante o trabalho coordenado com o Ministério do Meio Ambiente, através do ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] e Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], porque eles atuam nas áreas de parques nacionais, de áreas de proteção e estuários de conservação de biodiversidade, porque para nós protegermos a área comercial e produtiva, a rápida detecção e a identificação das rotas dos vírus circulando acendem para nós como que o vírus está se comportando em território nacional. A ave silvestre que está contaminada tem que ser rapidamente identificada e recolhida para que o excremento ou a própria ave morta não seja repositório do vírus. Então, controlar as aves silvestres ou o recolhimento das aves silvestres de maneira rápida é crucial para você diminuir a fonte do inóculo do vírus no âmbito nacional.
Secretário, qual é o papel da SDA nas tratativas para levantar os embargos? E terminado o tempo de vazio sanitário, como vai funcionar esse aviso para a Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA)?
Todos os comunicados são feitos pela Secretaria de Defesa Agropecuária através do ponto de contato oficial. Então, nós comunicamos o início do foco, o fim do foco, o início do vazio sanitário e, no dia que completar, nós temos que depositar a informação, como todos os países fazem. Se você for olhar no painel da Organização Mundial de Saúde Animal, você vê lá todos os países notificando todas essas etapas. Faz parte dos guias da OMSA. O nosso papel nesse processo é fazer todas as ações de defesa, todas as questões técnicas, comunicar na OMSA e dar todas as informações que subsidiaram a ação de defesa. Essas informações são a fundamentação técnica para tomadas de decisão dos países. Então, a nossa contribuição é produzir o conteúdo técnico para dar segurança da autoridade sanitária da contraparte e tomar a decisão dele de retornar ao status anterior de permitir [a carne de frango] no Brasil todo. Nós fazemos a parte da discussão técnica e tem a parte negocial, que é fazer com que as contrapartes sanitárias recebam essa informação e validem essa informação. Se esse retorno é automático ou não, é a variável imponderável que a gente depende dos bons relacionamentos, da boa capacidade de negociação e da credibilidade do sistema de defesa que faz com que os países variem em voltar automaticamente ou não, ou, como o ministro falou, muitos países sequer suspenderam a importação. Então, essas reações diferentes que os países fazem variam de acordo com o comportamento deles, mas são melhores e tendem a ser sempre melhores quando esse tripé que eu comentei funciona com muita robustez: a fundamentação técnica muito robusta em tempo e a tempo; as informações depositadas na OMSA; e a negociação [país a país] para poder voltar ao status anterior.
Essa notificação para a OMSA é no 28º dia?
É no 28º dia. Normalmente, no 28º dia ou na primeira hora do 29º. Normalmente, no 28º dia, nós já comunicamos. ‘Encerraram hoje os 28 dias’. Aí, a gente já está se autodeclarando, de acordo com o protocolo, livre da doença. A organização é uma custódia da informação. Ela vai receber, ela não nos questiona de volta e tampouco comunica aos países. O que a gente faz é comunicar para a organização e comunicar para os países dizendo: ‘Olha, eu já depositei a informação na OMSA, já está aceita lá’. Porque tem uma questão protocolar da organização aceitar, pois ela verifica se todas as informações foram preenchidas. Então, não existe uma etapa de validação da OMSA para a informação que a gente deposita.