Instrumento essencial para destravar as novas economias verdes, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) ainda não decolou no Brasil, comprometendo a credibilidade do país no mercado Agroambiental global.
Ao completar 13 anos, o Código Florestal Brasileiro segue distante de sua plena implementação. No centro dessa paralisia está o Cadastro Ambiental Rural (CAR), ferramenta criada pela legislação para mapear e monitorar o uso do solo em propriedades rurais. Sem ele, a transição para uma economia verde, baseada em mecanismos como créditos de carbono e pagamentos por serviços ambientais, continua duvidosa.
Apesar de sua importância estratégica, o CAR enfrentou desde o início uma série de entraves. Judicializado por setores do ambientalismo logo após seu lançamento, o cadastro também foi alvo de resistência política por parte da bancada ruralista. A regulamentação só começou a ganhar algum impulso em 2021, na segunda metade do governo Bolsonaro. No entanto, a retomada foi interrompida novamente no atual governo Lula, desta vez por disputas internas entre os Ministérios da Agricultura (MAPA) e do Meio Ambiente (MMAMC), até que, após longa espera, a gestão do sistema foi transferida ao Ministério da Gestão e da Inovação (MGI).
Mesmo sob nova gestão, o CAR segue sem os recursos, a equipe e o respaldo político necessários para avançar. Além disso, enfrenta resistências veladas dentro do próprio governo — o chamado “fogo amigo”. Sem a gestão federal em apoio aos estados mais vulneráveis, as esperanças de um rápido avanço são pequenas. Pois, é dos estados subnacionais a obrigação da validação do CAR. Nem todos deram atenção. Espírito Santo, São Paulo, Pará e Mato Grosso são os mais avançados e seus governadores demonstram interesse genuíno para avançar rapidamente, pois entenderam a importância econômica dessa ferramenta. Mas, há estados ainda no zero, inacreditavelmente.
O Código Florestal ocupa posição ambígua no debate público. Para alguns, é “um entrave ao avanço do agronegócio”. Para outros, é “um dos mais rigorosos marcos legais de proteção ambiental do planeta”, conferindo legitimidade à produção agropecuária nacional. A depender do ponto de vista, o Código é ora um passivo, ora um ativo estratégico do Brasil.
A implementação completa do Código Florestal poderia colocar o país na vanguarda da agricultura sustentável. Seriam mais de 220 milhões de hectares com cobertura vegetal sob responsabilidade de proprietários rurais privados — uma área superior a quatro vezes o território da França e quase metade da União Europeia. Com um ativo ambiental sem paralelo no mundo, seríamos imbatíveis diante de qualquer narrativa detratora.
No entanto, os números mostram um cenário preocupante. Somente cerca de 3% dos cadastros ambientais rurais, em nível nacional, foram efetivamente validados. Infelizmente, os números do Painel da Regularização Ambiental do SFB – Serviço Ambiental Brasileiro, aliás, uma ótima iniciativa, não estão atualizados e não incorporam dados de todos os estados, pois essa atualização não é automática, há problemas na integração dos sistemas. Sem essa etapa, produtores não podem aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), impedindo a legalização de áreas que necessitam de compensações ambientais. Em diversos estados, o próprio Programa de Regularização Ambiental (PRA) sequer foi oficialmente aprovado.
Na prática, o que poderia ser um diferencial competitivo do Brasil nas economias verdes se transforma em passivo jurídico e reputacional. A falta de segurança legal preocupa investidores, especialmente em setores como o de créditos de biodiversidade e carbono, que exigem alto grau de transparência e governança.
Enquanto a tecnologia mundial evolui a ponto de permitir que foguetes deem ré em segurança após o lançamento, o Brasil de 2025 ainda patina na implementação de uma lei aprovada há mais de uma década. A demora sinaliza fragilidade institucional e má gestão de ativos estratégicos do país.
A história nos alerta que, se não for efetivamente implementada, uma lei corre o risco de ser abandonada ou substituída. E o setor de investimentos verdes não aguarda. A inércia pode tirar o Brasil do mapa dos investimentos ambientais e Agroambientais mais rentáveis — aqueles em que governança, transparência e segurança jurídica não são opcionais, mas requisitos básicos.
Marcello Brito. Engenheiro de alimentos, professor e diretor do FDC Agroambiental.